Lin Man: portuguesa de alma e coração, chinesa de sangue

Não nasceu em Portugal, mas é cá que se sente em casa. Trabalho, dedicação e prestígio são adjectivos que a caracterizam.

Lin Man, cidadã portuguesa com origens chinesas, chegou a Portugal em 1982, um ano depois do seu pai, Dihua Lin. Veio para Portugal com a mãe, Ailian Xu, e com as suas duas irmãs. A mais nova já nasceu em terras portuguesas. Desde cedo que ela e as irmãs conciliaram os estudos com o trabalho no restaurante dos pais, na época localizado no Cais do Sodré. Estudou Direito e actualmente colabora com a maior sociedade de advogados do país, a PLMJ, e coordena a China Desk. Gosta da China, mas é em Portugal que se sente em casa.

Nasceu na China em 1974, ano da Revolução dos Cravos em Portugal. Até aos oito anos, viveu na Cidade de Wenzhou, Província de Zheijiang. “Nessa altura [Anos 70 e 80], as condições de vida não eram boas. Não havia canalização de água quente, gás de botija, poliban e casa de banho. O que havia eram balneários públicos”, relembra.

Na China, frequentou o primeiro ano de escolaridade, uma experiência positiva, embora exigente, que até hoje não esquece. “Lembro-me que os professores eram muito exigentes e rigorosos e nós tínhamos que ter um comportamento muito disciplinado na aula e na escola, pois as turmas tinham cerca de 50 alunos”.

No final do primeiro ano, Lin Man, juntamente com a sua mãe e irmãs fizeram as malas e embarcaram na viagem que transformou radicalmente as suas vidas.

Próximo Destino: Lisboa, Portugal.

À chegada, a capital não a surpreendeu. Achou Lisboa uma cidade muito antiga, com prédios velhos e nada recentes, num país completamente diferente daquele que é hoje.

Embora tivesse o primeiro ano de instrução feito, ingressou novamente no 1º  ano do primeiro ciclo. A inexistência de Institutos Confúcio e o reduzido número de cidadãos chineses a residir no país tornaram o ensino da língua e a adaptação no meio estudantil difícil, mas não impossível.

“Como só tinha feito a primeira classe na China, e o meu nível de chinês ainda não era bom, não podia consultar o dicionário para saber o significado de determinadas palavras, era como se não soubesse falar uma única língua. Tive muitas dificuldades”.

“Nessa época, poucas pessoas falavam bem as duas línguas, para dar aulas ou explicações, por isso a adaptação e a integração levaram mais tempo […] Contrariamente a hoje,  em que há muito mais oferta nesse aspecto”.

Ainda assim, em pouco mais de um ano e meio Lin Man e a sua irmã mais velha já dominavam a língua portuguesa. Conta-nos que a adaptação não foi fácil no início, mas com a ajuda e paciência dos professores e colegas, pouco a pouco, e com muito esforço pessoal, foi-se adaptando e integrando na sociedade. Mais tarde, veio também a dominar o inglês.

Quando as aulas acabavam, era tempo de seguir para um outro trabalho, o de ajudar os seus pais no restaurante de que estes eram proprietários: Restaurante Nova Ásia, localizado no Cais do Sodré, em Lisboa. “Estudávamos e trabalhávamos todos os dias da semana, íamos a casa só à noite [após o fecho do restaurante] só dormir. Era muito cansativo”.

Começou por tirar cafés, mais tarde serviu às mesas.

Trabalhar e estudar. Era assim a rotina das quatro irmãs, incluindo nos fins de semana e nas férias escolares. “Não havia muito tempo para sair e para me divertir com os meus amigos. Só aos 16 anos é que consegui começar a ter férias […] Não sinto qualquer vergonha de ter lá trabalhado e isso contribuiu  para ser a pessoa que sou hoje”.

Aberto em 1984, o Nova Ásia fechou anos mais tarde e abriu noutro ponto de Lisboa, em Alvalade. “Até à abertura do Mandarim [Restaurante Chinês localizado no Casino do Estoril], o Nova Ásia era o melhor restaurante chinês em Portugal”. Entretanto os pais reformaram-se e hoje o negócio é gerido pela irmã do meio, Lin Hong, licenciada em Psicologia.

Na época, e embora a imigração fosse algo recorrente, Lin Man não entendeu os motivos que levaram os pais a mudar de continente. O desconhecido assustou-a. Ainda assim, aos poucos foi percebendo e compreendendo que os pais apenas queriam obter melhores condições de vida não só para eles, mas essencialmente para as suas filhas.

“O meu pai foi encarregado [Na China] de uma fábrica em Wenzhou. Desde cedo que ele ambicionava ter um negócio próprio, ser um empreendedor”. Essa foi a principal razão que fez o Sr. Dihua Lin viajar para Portugal a 1981, um ano antes da sua família, para preparar a chegada da sua esposa e filhas.

Começou por trabalhar em restaurantes chineses que já havia em Lisboa. Foi cozinheiro no Nuvem Mar antes de enveredar pelo mundo dos negócios e tornar-se proprietário de um restaurante, dois anos após chegar a Portugal. A mãe, Ailian Xu, foi também cozinheira em alguns restaurantes e no Nova Ásia continuou a sê-lo.

À medida que o nível de escolaridade ia aumentando, a jovem Lin Man sentia-se cada vez mais integrada na sociedade portuguesa. Ultrapassada a barreira da língua, era altura de agarrar tudo o que o país tinha para lhe oferecer.

Dos amigos que fez, contam-se pelos dedos de uma mão os que eram chineses.

“Durante toda a minha escolaridade, convivi mais com portugueses, principalmente porque eram colegas de escola. Nesse tempo, não havia por exemplo a Escola Chinesa de Lisboa.

O convívio era essencialmente na escola, “como na maior parte do tempo tinha de ajudar os meus pais no restaurante, não passava muito tempo com os meus amigos depois das aulas”.

Já a terminar o Curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, Lin Man viajou até à sua cidade natal na China, para passar as férias de verão com a família materna.

Durante a estadia, o amor bateu-lhe à porta. Conheceu um jovem que a encantou, namoraram e em pouco tempo tornou-se marido. Lin Man ainda regressou para Portugal para terminar os estudos, e uns meses depois oficializou o casamento na China

“Ficou decidido quase de imediato que teria que ser ele a mudar-se para Portugal […] Já vivia em Portugal há mais de trinta anos e não iria conseguir habituar-me a viver na China”.

Hoje o casal tem duas filhas, Natacha com 17 anos e Jessica com 12. São portuguesas e dominam tanto a língua materna, como a língua dos seus pais. Juntam a essas duas, o inglês e o francês.

A família de Lin Man é admirada e reconhecida pela comunidade chinesa residente em Portugal e os seus pais são muitas vezes parabenizados pela educação exímia que proporcionaram às filhas, “um motivo de orgulho”.

Lin Man tem três irmãs, todas elas com educação superior, desde Línguas, Economia, Psicologia, até ao Direito.

A jurista e as irmãs seguiram os passos dos filhos de imigrantes chineses da primeira geração, com formação superior. “Os meus pais sempre se preocuparam com a nossa educação e formação, diziam-nos que era muito importante para o nosso futuro. Sempre nos incentivaram a estudar e tirar cursos superiores”.

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa em 2000, desde 2002 que a jurista está inscrita na Ordem dos Advogados (OA). Até ao ano passado, era a única cidadã chinesa inscrita na OA.

No final do curso, estagiou na sociedade de advogados PLMJ. Chegou depois a ter o seu próprio escritório, juntamente com outro colega, e por lá trabalhou durante oito anos. Conta que foi durante esse período que trabalhou essencialmente para a comunidade chinesa residente em Portugal.

“Os clientes chineses preferem falar com um advogado que domina também a sua língua e que conheça a sua cultura, sentem-se mais confortáveis […] É mais fácil falar com um advogado que saiba falar chinês, que conhece a sua língua e cultura”.

Atualmente, Lin Man é Associada Sénior/Advogada na PLMJ e coordena a China Desk em Portugal.

A principal missão é o mercado chinês, mais concretamente, “contactar com clientes e potenciais clientes chineses que pretendem investir em Portugal ou nos Países de Língua Portuguesa, porque também temos escritórios em Angola, Moçambique, para além de outras parcerias noutros países”.

“Sabendo falar chinês e ser licenciado em direito é muito importante para os clientes chineses porque a língua é de facto muito importante, sentem-se muito mais confortáveis e têm mais confiança”.

Lin Man não pretende mudar-se para a China, é e sente-se portuguesa. “Sou mais portuguesa que chinesa, só tenho a cara chinesa. Já são 38 anos a viver em Portugal, nasci praticamente aqui, cresci aqui e, portanto, é normal pensar de uma maneira ocidental”.

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