Cao Bei. “Estou a fazer uma coisa única e diferente em Portugal, que mais ninguém faz”

Uma viagem no comboio transiberiano de Pequim para Moscovo mudou-lhe radicalmente a vida.

Cao Bei, cidadã portuguesa nascida numa pequena cidade do sul da China, em meio artístico, começou pequena a cantar e tocar. Aos 27 anos, atravessou os dois continentes por amor e veio viver para Lisboa. Hoje, canta fado e é ouvida com gosto por chineses, mas sobretudo por portugueses.

“A maioria dos chineses está em Portugal para fazer negócios e para ganhar dinheiro. Eu não. Eu estou a fazer uma coisa que é única e diferente em Portugal, que mais ninguém faz”. Cao Bei canta fado. Ou como a própria diz “canto o fado à minha maneira, com todos os sentimentos e limitações que me compõem”.

Filha de uma cantora e de um actor, desde pequena que o mundo das artes a rodeia. Aos seis anos o pai colocou-a em palco num jardim municipal. Cantou à frente de um público que se rendeu ao seu atrevimento e coragem.

Entrou para a Ópera de Pequim aos 12 anos e lá aperfeiçoou os seus cantos e aprendeu a tocar instrumentos musicais, nomeadamente piano, violino e harpa chinesa. Além do mundo artístico, dedicou-se também às ciências. Licenciou-se em economia e vestiu o pele de professora de economia política por alguns anos, nunca deixando a música de parte.

Mais tarde, e já em Portugal, a artista ouviu fado pela primeira vez, o “Barco Negro”, de Amália de Rodrigues. Apaixonou-se.

 

A viagem que a puxou para Portugal

Aos 27 anos, Cao Bei fez uma viagem, num comboio transiberiano e no terceiro dia de viagem, e já em território russo, conheceu um homem “simpático, charmoso e delicado” que viria a tornar-se seu marido. “Conheci o meu marido Carlos nessa viagem de comboio. Ele estava na mesma carruagem e no terceiro dia ganhou coragem para vir falar comigo. Começámos a falar recorrentemente e a partir daí fizemos tudo juntos”.

Seis dias bastaram para Cao Bei e Carlos Frescata se apaixonarem. “Quando chegámos a Moscovo, não casamos logo. Ainda namoramos três dias! Fomos a espectáculos de ballet, de ópera e de teatro. Passeámos e namoraámos muito. Depois desses três dias, decidimos casar”.

A imigração era inevitável e um mês após o casamento, Cao Bei despediu-se dos seus, para aventurar-se numa nova vida. Nessa época, os fluxos migratórios eram constantes, especialmente para a América, Canadá, Austrália e Alemanha. “Para Portugal…não conhecia ninguém que tivesse migrado”.

“Quando cheguei a Portugal, achei que o país não tinha um grande desenvolvimento, em comparação com a realidade a que estava habituada. O que eu senti quando cheguei é que tudo era demasiado calmo, demasiado lento e sem ritmo. Mas ainda assim gostei do que vi. Gostei das vistas, do clima, da gastronomia e das pessoas. Aqui, as pessoas são muito simpáticas, muito amáveis”.

Das dificuldades, a língua é claramente a principal barreira que um migrante chinês encontra quando chega a Portugal. Cao Bei adquiriu a cidadania três anos depois de chegar a Portugal, tempo suficiente para dominar a língua e abraçar a cultura portuguesa. Durante esse período, trabalhou numa empresa de importação e exportação de seda, mas ao fim de mais alguns anos, e já com a nacionalidade portuguesa, decidiu sair e abraçar um novo projeto, o de ser mãe.

Entre 2012 e 2018, Cao Bei voltou a viver na China, em Pequim, levando com ela os dois filhos adolescentes. “Embora eu ensinasse em casa a minha língua materna, não era suficiente e quis que eles aprendessem a falar a língua chinesa, na China”.

Durante esses seis anos, os filhos estudaram em Pequim, mas as expetativas da mãe não se concretizaram. “Fui para lá para que os meus filhos aprendessem o mandarim, mas eles vieram de lá a dominar o inglês […] Na turma que eles ficaram, a maioria dos seus colegas eram também estrangeiros e a comunicação, sempre feita em inglês. Saíram de lá com um bom domínio na língua inglesa, mas conhecimentos básicos em mandarim”.

 

Uma cultura desvalorizada pelos migrantes chineses?

Chinesa de sangue, mas portuguesa de alma e coração, Cao Bei lamenta diversos comportamentos da comunidade chinesa residente em Portugal. “Muitos não querem aprender a língua do país que os acolheu, nem muito menos participar nas actividades portuguesas. Vivem numa comunidade fechada, muito fechada e não aproveitam o que Portugal tem de tão bom para oferecer”.

“A comunidade chinesa comunica apenas entre eles e não sentem a necessidade de ir mais além. Eu por exemplo, tenho amigos chineses que residem em Portugal, mas que se recusam a aprender e a conviver com a cultura portuguesa. Os chineses não fazem esforço para integrar-se na sociedade portuguesa”.

“Tudo o que é chinês que vive migrado noutro país vive sempre desta forma, fechado e atento apenas à sua comunidade. Não querem saber da língua, da cultura de um pais e a meu ver, são eles que ficam a perder, especialmente em Portugal”. Mas Cao Bei acha que esta é a atitude mais comum dos chineses, estejam onde estiverem.

2020 será o ano da realização de um sonho

Foi em primeira mão que a fadista revelou estar rendida e expectante com o lançamento do seu primeiro CD. Composto por dez fados de Amália Rodrigues. “A primeira vez que ouvi fado foi de uma canção dela e apaixonei-me. Não tinha sentido fazer um CD com os fados de outro fadista”.

“Estou a aperfeiçoar a minha maneira de cantar fado, nomeadamente na minha pronúncia e no ritmo com que canto”, disse Cao Bei, que desde Julho deixou de aceitar outros trabalhos para se dedicar exclusivamente ao CD.

 

Hoje, e a viver há 25 anos em Portugal, Cao Bei não pensa voltar para a China. “Toda a minha família já faleceu e agora tenho a minha própria família portuguesa e amigos portugueses e chineses cá”.

“Eu sou e sinto-me portuguesa”.

 

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